Dia Internacional da Língua Portuguesa O Estado da íngua e Cultura Portuguesa nos Estados Unidos Por Prof. Doutor Júlio C. de Carvalho 9 de Maio de 2017 Washington, DC, Estados Unidos.
Antes de mais, queria cumprimentar os colegas do painel e a audiência e agradecer o convite que me foi formulado para estar aqui presente. Gostaria de aplaudir esta iniciativa que, certamente, vai reforçar os objetivos que preconizamos para a nossa língua comum e para as culturas que a mesma encerra aqui nos Estados Unidos. Os organizadores e patrocinadores estão todos de parabéns porque celebramos, hoje, uma das maiores línguas de expansão mundial, veículo cultural e de comunicação de mais de 250 milhões de habitantes espalhados em vários cantos do mundo. Preservar todo este património, dignificá-lo à escala mundial, começando com a nossa ação dentro da nossa esfera de intervenção, é um desafio que devemos abraçar com convicção.
Como disse alguém, “A língua de um povo é a sua alma”. Dada a sua importância, os destinos da língua não podem ficar ao acaso do destino. Não há outra forma de preservar a matriz cultural e linguística em língua portuguesa sem educação formal, sem atender às necessidades das populações ou indivíduos que a estudam. Aqui, expresso uma primeira preocupação: desejo alertar que, no futuro, devemos ser mais inclusivos. Está na hora de incluirmos as escolas públicas (médias e secundárias) e escolas comunitárias nestas discussões. Pessoalmente, acredito que teremos mais sucesso se sairmos da esfera exclusiva do ensino superior, pois o futuro da língua e cultura portuguesa não se resume exclusivamente ao nível superior. Por isso, neste evento, procurarei ser a voz, ou pelo menos uma das vozes defensoras da necessidade da inclusão de outros níveis e tipos de ensino nas nossas discussões, para que possamos criar mecanismos de sustentabilidade do ensino da língua e cultura portuguesa nos Estados Unidos.
Eu sou natural de Cabo Verde e estou no ensino há 32 anos. Em 1985, eu tinha apenas 20 anos de idade e vivia aqui em Washington, DC. Regressei a Cabo Verde, minha terra natal, para lecionar nas escolas secundárias. Igualmente, lecionei na Guiné Bissau, no Senegal e nos últimos vinte anos venho lecionando matérias interdisciplinares nos Estados Unidos. Atualmente, leciono algumas línguas estrangeiras ao nível do ensino secundário, gestão de empresas e ciências de educação a nível universitário, isto é, nos programas de mestrado e doutoramento, respetivamente.
Na qualidade de membro de uma equipa diversa que redesenhou o Exame da Língua e Cultura Portuguesa para futuros professores de Português no estado de Massachusetts, tivemos cautela e fomos inclusivos. Todos os países lusófonos foram incluídos. Não houve preferências porque, como se diz, a nossa língua e cultura representa um todo. Trata-se da língua e cultura de várias nações, incluindo um dos mais vastos países do globo, o Brasil. Trata-se de uma língua em expansão pelo mundo fora, cada vez mais estudada, com um potencial cultural e económico em constante crescimento. Aqui estamos reunidos para orgulhosamente celebrar o Dia Internacional da Língua Portuguesa. Para que possamos melhor aproveitar esta congregação, vamos igualmente analisar e falar sobre o estado da língua e cultura portuguesa nos Estados Unidos. No que me tange, tomarei como ponto de partida a minha experiência em vários níveis e sectores de ensino/aprendizagem da língua e cultura portuguesas para melhor contextualizar o objeto sobre o qual nos propomos refletir.
Quando obtive o meu grau de Doutor, o meu trabalho final focalizou-se nas diversas comunidades cabo-verdianas de Nova Inglaterra. Um dos resultados finais da minha investigação delineia, sem qualquer ambiguidade, que o cabo-verdiano, nos Estados Unidos, geralmente, entende o valor da educação mas muitos negligenciam as oportunidades disponíveis para estudar, à semelhança do que se passa com as comunidades portuguesas ou brasileiras. Em termos de promoção cultural estamos, igualmente, aquém do desejado. Por isso, quando adquiri o grau de Estudos Avançados, ou seja, diploma de especialista em Administração Escolar, o meu trabalho final, focalizou-se primariamente na criação de um currículo do ensino integrado da língua e cultura portuguesa. Nesse trabalho de investigação, articulei que a melhor forma de aprendermos uma língua estrangeira, neste caso a língua portuguesa, seria combinar a língua e a cultura. Não a cultura feita de clichés e de ideias pré-concebidas sobre os países, seus povos e comunidades diaspóricas, mas, sim, as dimensões culturais que nos distinguem, nos dignificam e nos elevam ao patamar dos melhores entre os melhores.
Os resultados, em pelo menos duas instituições que adotaram as minhas recomendações, são positivos e encorajadores. Os alunos mostram se interessados em aprender sobre a história dos seus antepassados, as pessoas provenientes dos países de língua portuguesa que constituíram a diferença pelo mundo fora, e de modo especial nos EUA, as formas de cultura popular ou erudita que nos caracterizam. Embalados por este orgulho de pertença, pelo prazer da descoberta das suas raízes, os alunos acabam por aprender a língua, em consequência da motivação e da proximidade criada entre as aprendizagens e as vidas reais em contextos reais.
Devido ao meu percurso como educador, no início do ano 2000, criei o currículo do ensino da língua e cultura portuguesas numa das Community Colleges em Massachusetts. Muito cedo dei conta de que essa instituição pretendia utilizar o currículo para o modelo de aprendizagem “self-paced,” um método de instrução/aprendizagem baseado na aptidão, ou seja, no ritmo, do aluno. Geralmente, esse método não requer a resposta imediata do professor. Eu recomendei à instituição em causa que o método selfpaced não seria o mais adequado para os objetivos preconizados. Os meus argumentos foram acatados sem grandes desafios, creio devido à minha experiência profissional. Entendo o comportamento da maioria dos alunos quando a metodologia é self-paced. Uns são imaturos e outros abusam do processo ou pouco aderem à ideia. Poucos alunos potencializam essa metodologia que requer maturidade e disciplina. A liderança institucional, sem hesitar, permitiu-me fazer ajustes adequados à metodologia para responder às realidades de cada aluno. Os resultados da nova metodologia integrada foram positivos e palpáveis.
Na escola secundária em Massachusetts, onde ainda sou docente, utilizamos um método misto que vem funcionando muito bem e os resultados assim o atestam. Também, quando lecionei a língua e cultura portuguesas para os voluntários de Corpo da Paz dos Estados Unidos para três países lusófonos, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe, os grupos, ou seja, as turmas eram pequenas – e o método de ensino era muito interativo sem preocupações com a aprendizagem explícita das questões gramaticais. Usamos a teoria de Aquisição da Segunda Língua conforme defende Stephen Krashen, linguista norte-americano, que acredita que para a aquisição de uma língua não precisamos de ter regras gramaticais exaustivas. Para ele, a aquisição linguística requer interação significativa com ênfase na mensagem, ou seja, produção e entendimento. Foi com esse método (e ajustes) e encorajamentos que conseguimos preparar 40 e tal voluntários do corpo da paz para os desafios linguísticos e culturais no terreno como profissionais. Os sucessos obtidos resultam dos esforços desenvolvidos por uma equipa interdisciplinar e coesa constituída por brasileiros, cabo-verdianos, guineenses e santomenses. Contextualizamos a formação e obtivemos grandes sucessos, tal como nos foi confirmado através do desempenho desses voluntários nos países onde foram prestar os seus serviços.
Apesar dos muitos sucessos individuais de um conjunto vasto de profissionais que dedica a sua vida ao ensino do Português, o ensino da língua portuguesa aqui nos Estados Unidos continua numa encruzilhada, à deriva, sem que se vislumbre porto seguro. E assim é, não por falta de profissionais altamente preparados para promover a nossa língua e cultura. Contudo, pergunto que esforços institucionais têm sido desenvolvidos, de forma sistemática e concertada, para que os países de língua portuguesa com mais falantes, neste país (com destaque para os portugueses, caboverdianos e brasileiros) desenvolvam uma política de língua conjunta, resultante de esforços comuns que deveriam ser protagonizados pela CPLP?
Talvez por falta desta coordenação internacional ou por falta de interesse das Embaixadas e consulados que nos representam nos Estados Unidos, não exista a vontade dos profissionais de ensino de língua portuguesa de trabalhar juntos para que possam alcançar o objetivo comum – promoção da língua e várias culturas portuguesas nos Estados Unidos. Desejo vos lembrar que temos deficits documentais, isto é, falta de materiais didáticos contextualizados e culturalmente relevantes para as comunidades que servimos. Acredito, porém, muito sinceramente, que se juntarmos o pouco que temos e trabalharmos juntos, poderemos melhorar a nossa condição. Devemos fazer isso em prol da lusofonia.
Em jeito de ilustração, recordo que, neste momento, estou em discussões com o governo americano, através da sua embaixada em Cabo Verde, no sentido de estudarmos a possibilidade da criação de uma escola internacional americana em Cabo Verde. O embaixador de Cabo Verde nos Estados Unidos, tem conhecimento do projeto. A Embaixada dos Estados Unidos em Cabo Verde ficou satisfeita com o meu projeto, mesmo sabendo que ainda se encontra numa fase embrionária, prontificou-se para que eu comunicasse com o departamento do Estado norte-americano, mais concretamente, com a diretora das escolas americanas pela região africana. Depois de uma longa conversa com a diretora das escolas americanas pela África, os americanos mostraram-se disponíveis para apoiar logisticamente. Pergunto a todos aqui presentes, particularmente às representações dos Estados da CPLP, se estariam interessados em apoiar o desenvolvimento, ou seja, a criação conjunta de um mecanismo da promoção da língua e várias culturas portuguesas nos Estados Unidos?
Eu acredito, como previamente articulado, que todos devemos assumir a questão da promoção da nossa língua e cultura como um desafio. Todos nós, académicos, políticos, liderança comunitária, representações diplomáticas e toda a comunidade lusófona nos Estados Unidos, devemos trabalhar arduamente para a valorização da nossa matriz cultural e identitária comum. Devemos promover o Português e as culturas de língua portuguesa nas nossas casas, nos nossos meios sociais e profissionais e nas nossas comunidades.
Em relação aos cabo-verdianos, ainda hoje, não entendo porque as autoridades competentes não se envolvem mais, no sentido de disponibilizar apoios concretos para algumas escolas em Nova Inglaterra, na promoção de estudos da língua e culturas de língua portuguesa, sem descurar o investimento que devemos fazer no ensino do Crioulo, a nossa língua materna. Numa das cidades em Massachusetts, estipula-se que um terço da população, ou seja, cerca de 35 mil habitantes são de origem cabo-verdiana. Só agora os cabo-verdianos estão ativamente envolvidos nas atividades políticas dessa comunidade. Com o apoio deles, conseguiram eleger um presidente da câmara pro-cabo-verdiano e um deputado municipal caboverdiano. Também, mesmo perto dessa cidade, existe uma universidade local que tem um centro de estudos cabo-verdianos. Essa universidade, recentemente, organizou um mega evento, convidando três ex-primeiro ministros de Cabo Verde, de diferentes gerações, para debaterem, publicamente, os desafios e percurso de Cabo Verde. Os convidados, independentemente das suas diferenças políticas, conseguiram centralizar as discussões no essencial, pondo CABO VERDE acima de tudo. Devemos também ter a determinação e maturidade para juntos, promovermos o idioma luso, as culturas de língua portuguesa e as suas inúmeras possibilidades. Promover a nossa língua e cultura a todos os níveis é, portanto, uma responsabilidade coletiva. Enfim, é uma obrigação que temos! Somos mais fortes quando unidos.
Na minha escola secundária em Massachusetts, nos últimos três anos, tivemos visitas de várias personalidades lusófonas. Tivemos um angolano que nos falou do percurso e da situação atual de Angola, uma cabo-verdiana, como palestrante, que dissertou sobre as comunicações durante os eventos do dia 25 de Abril de 1974; tivemos um brasileiro e a sua equipa que nos explicaram sobre a Capoeira seguida de uma grande exibição e uma escritora portuguesa que nos falou da literatura infantil portuguesa. Isto mostra a nossa abertura numa escola secundária, em relação ao mundo lusófono. Sendo assim, ponho uma questão, porque temos tido atitudes preferenciais e mantemos fechados os nossos círculos de conforto. Será que poderíamos também, quando possível, convidar indivíduos de outros países lusófonos para palestras, atividades académicas, etc., nas nossas instituições de ensino secundário e superior? Por exemplo, recentemente, em Boston, assisti à VI Conferência da Literatura em Língua Portuguesa organizada pelo centro de Língua Camões na Universidade de Massachusetts em Boston e pela coordenação do Ensino de Português nos EUA.